domingo, 3 de janeiro de 2016

Recicl'Arte - Frasquinhos para guardar chá



A Taça de Chá

O luar desmaiava mais ainda uma máscara caída nas esteiras bordadas. E os bambús ao vento e os crisântemos nos jardins e as garças no tanque, gemiam com ele a advinharem-lhe o fim. Em roda tombavam-se adormecidos os ídolos coloridos e os dragões alados. E a gueixa  procelana transparente como a casca de um ovo da Íbis  enrodilhou-se num labirinto que nem os dragões dos deuses em dias de lágrimas. E os seus olhos rasgados, pérolas de Nanquim a desmaiar-se em água, confundiam-se cintilantes no luzidio das procelanas. 


Ele, num gesto último, fechou-lhe os lábios co'as pontas dos dedos, e disse a finar-se: 
- Chorar não é remédio; só te peço que não me atraiçoes enquanto o meu corpo for quente. Deitou a cabeça nas esteiras e ficou. E Ela, num grito de garça, ergueu alto os braços a pedir o Céu para Ele, e a saltitar foi pelos jardins a sacudir as mãos, que todos os que passavam olharam para Ela. 



Pela manhã vinham os vizinhos em bicos dos pés espreitar por entre os bambús, e todos viram acocorada a gueixa abanando o morto com um leque de marfim. 



A estampa do pires é igual. 



Almada Negreiros, in 'Frisos - Revista Orpheu nº1' 

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